Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
O preço do café, que registra altas históricas, deve continuar pressionado no mínimo até o fim do primeiro semestre, em decorrência de adversidades climáticas que afetaram as últimas safras e dos baixos estoques da indústria.
Na última quarta-feira (29), o preço da commodity alcançou o maior valor nominal desde 1977, ao fechar o dia cotado a US$ 3,6655 por libra-peso na ICE, referência global para os preços do café arábica. É mais do que o dobro do valor de pouco mais de um ano atrás —ao fim de outubro de 2023, o grão era cotado a US$ 1,6935.
Enquanto isso, no mercado interno, o preço para o consumidor final subiu quase 40% ao longo de 2024. Em janeiro, o quilo do café torrado e moído no varejo custava R$ 29,62. Em dezembro, era necessário pagar R$ 42,65 pela mesma quantidade, segundo dados da própria indústria.
Para entender essa disparada e por que o produto continuará pesando no bolso do brasileiro em 2025, é preciso retroceder um pouco.
O Brasil, que é o maior produtor mundial, sofreu com uma severa geada no inverno de 2021, que atingiu algumas das principais regiões produtoras de café. Isso comprometeu fortemente a safra.
Desde então, outros fenômenos climáticos continuaram atingindo as colheitas, tanto no Brasil quanto em outros grandes produtores, como Vietnã, Colômbia e Indonésia –que, juntos, são responsáveis por mais de dois terços do fornecimento de café do mundo. Às vezes falta de chuva, às vezes excesso.
Em paralelo a isso, o consumo mundial continua crescendo, ainda que em patamares moderados. A alta mais expressiva se dá na China, mas outras nações, como Filipinas, Malásia, Índia e Vietnã, também começam a consumir mais.
Com isso, os estoques mundiais caem, e, a partir de outubro de 2023, o preço do café no mercado global dispara. Há, afinal, um descompasso entre a produção e o consumo.
Nesse cenário, o Brasil exporta mais, incentivado pela alta dos preços no mercado internacional e pelas dificuldades climáticas enfrentadas pelas demais nações produtoras. Em 2024, o país bateu recorde anual de exportação. Foram embarcadas 50,443 milhões de sacas –número 28,5% maior que em 2023.
Em 2025, a tendência é que o produto continue caro. Isto porque o preço do café verde subiu mais de 100%, e, no varejo, a alta foi de 40%. Ou seja, o mercado está repassando a alta aos poucos ao consumidor final.
Por isso, a expectativa é que o café continue pressionando a inflação nos próximos meses, segundo Pavel Cardoso, presidente da entidade que representa os industriais, a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café).
"A indústria segue repassando alguma coisa agora ainda em fevereiro e março, de maneira muito responsável", diz Cardoso.
No campo, também não há sinal de alívio no curto prazo. A estiagem que atingiu importantes regiões brasileiras produtoras em 2024 comprometeu até a colheita deste ano.
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estimou a produção de café do Brasil no ciclo de 2024 em 54,2 milhões de sacas, uma queda de 2% em relação à safra anterior. Para 2025, o órgão projeta uma colheita ainda menor –51,8 milhões de sacas, um recuo de 4,4%.
A chefia da OIC (Organização Internacional do Café), braço das Nações Unidas baseado em Londres que reúne países produtores e consumidores, diz à reportagem que Vietnã e Colômbia –segundo e terceiro maiores produtores do mundo, respectivamente– também sinalizaram ao órgão que há perspectiva de melhora nas suas colheitas.
"Mas a gente ainda está na expectativa sobre o quanto eles vão conseguir produzir a mais e se isso vai suprir o que o Brasil ainda vai estar frustrando", diz Vanusia Nogueira, diretora-executiva da OIC.
A situação para o consumidor pode ficar menos difícil apenas no fim do ano, caso 2025 transcorra sem grandes adversidades climáticas nas regiões produtoras.
"No segundo semestre, quando o mercado já tiver precificado a questão das chuvas, da colheita da safra de 2025 e estiver com um olhar para 2026, com essa florada e a granação de 2026, possivelmente aí sim a gente tenha um arrefecimento e uma tranquilidade maior nessa volatilidade que hoje é vivenciada", diz Cardoso.
Vanusia, da OIC, explica, contudo, que, ainda que as safras deem sinal de melhora e haja um alívio nas cotações mundiais, os preços não devem voltar ao patamar de 2023, quando a saca chegava a ser vendida por cerca de R$ 800,00, o que comprometia a subsistência do agricultor –diferentemente de outras culturas, como a soja, a cafeicultura é muito dependente de pequenos proprietários de terra.
"Os preços para os produtores estavam muito baixos e não estavam dando para o produtor uma renda mínima necessária para eles viverem, para suas famílias viverem e principalmente para que atraísse as novas gerações para continuar produzindo café", diz Vanusia.